CALA A BOCA JÁ MORREU! Leitura e coleta de textos. Silenciamento feminino no acervo da Biblioteca Mário de Andrade | CALA A BOCA JÁ MORREU! Reading and texts collection. Female silencing in the Mário de Andrade Library collection
2021

CALA A BOCA JÁ MORREU!
Leitura e Coleta de textos. Silenciamento feminino no acervo da Biblioteca Mário de Andrade

Esta publicação apresenta uma coleta que é parte de um processo iniciado em 2019, quando criei a ação CALA A BOCA JÁ MORREU! na qual decidi oferecer uma escuta ativa às mulheres. Em espaços urbanos como ruas, praças e outros ambientes de convivência, abordei e conversei com mulheres, individualmente ou em grupo, a partir da pergunta: “O que você não quer mais calar?”. Desses diálogos foram recolhidas frases que explicitam as demandas e os desejos dessas mulheres. Em seguida, fotografei cada uma com um cartaz contendo suas respostas.

Cento e uma mulheres foram fotografadas em São Paulo e na cidade de Colônia, na Alemanha, para onde viajei a convite da universidade local. Interessava-me confrontar as realidades das mulheres dessas duas cidades e, para minha surpresa, elas se mostraram muito semelhantes. Grande parte das fotos foi transformada em desenhos que, entre 2019 e 2020, foram expostos no Centro Universitário Maria Antonia e no MAB-FAAP – Museu de Arte Brasileira, ambos em São Paulo.

Em 2021, o trabalho se desdobrou em uma intervenção sonora e visual na Biblioteca Mário de Andrade. Nos vidros da fachada foi estampada a frase “Cala A Boca Já Morreu!” e no jardim externo foram instaladas caixas de som que ecoavam as frases daquelas mulheres que conversaram comigo, entoadas pelas vozes de outras cento e uma mulheres cis, trans e travestis convidadas. As gravações aconteceram durante a pandemia de Covid-19, que nos isolou em nossas casas e fechou equipamentos culturais, como a biblioteca.

Paralelamente à intervenção na fachada, realizei a coleta, aqui apresentada, no acervo da biblioteca, naquele momento com acesso restrito ao público. Esta teve como foco livros de temática feminista escritos por mulheres, dos quais foram retirados trechos que abordam o silenciamento feminino. O tema foi tratado por mim de maneira ampla, pensando “silenciamento” como todas as formas de invisibilidade e controle impostas às mulheres historicamente, tanto no âmbito social quanto no privado. Como o acervo da biblioteca é muito extenso, fez-se necessário um recorte temporal, abarcando livros publicados entre 2010 e 2020.

Esses excertos são mostrados nesta publicação, que conta, também, com um texto crítico de Galciani Neves, curadora de minha exposição individual “É tarde, mas ainda temos tempo”, de 2019, na qual este trabalho se iniciou.

A lista inicial de livros era composta de trinta e um títulos, dos quais vinte e seis continham material de interesse da coleta. Os livros foram lidos entre maio e julho, e essas leituras me proporcionaram um mergulho na história do feminismo, da origem do patriarcado e do papel do capitalismo na construção das mulheres que somos, as quais, em pleno século 21, ainda lutam pelo direito de não serem silenciadas.

Este volume foi doado à biblioteca e pode servir como um índice remissivo sobre o tema, a ser consultado pelos visitantes. Porém, mais do que isso, esta publicação é uma compilação de denúncias sobre variados tipos de opressão a que nós mulheres fomos submetidas durante os últimos séculos. Espero que esses trechos possam despertar a atenção para diversas discriminações cotidianas que passam despercebidas, mas que, se notadas, podem ser estopim para uma reflexão tardia, porém sempre necessária, sobre os possíveis caminhos para uma ruptura com as estruturas patriarcais que, ainda atualmente, se empenham na manutenção do silenciamento e do apagamento das mulheres nos mais diversos âmbitos da vida.

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CALA A BOCA JÁ MORREU! *
Reading and texts collection. Female silencing in the Mário de Andrade Library collection

* The original title in Portuguese comes from a saying “Cala a boca já morreu, quem manda na minha boca sou eu” which means literally: “Shut Up” is Dead, I Am the One Who Commands my Mouth.

This publication brings a collection that is part of a process started in 2019, when I created the work CALA A BOCA JÁ MORREU! in which I decided to actively listen to women in urban spaces such as streets, squares and other social environments. I approached and talked to women, individually or in groups, based on the question: “What is that you don’t want to silence anymore?” From these conversations, phrases were chosen that make explicit the demands and desires of these women, subsequently photographed with a cardboard sign which reads the selected phrase.

One hundred and one women were photographed in São Paulo and in the city of Cologne, Germany, where I went to at the invitation of the local university, to present the same work. I was interested in confronting the realities of women in these two cities and to my surprise they turned out to be very similar. A large part of the photos was transformed into drawings that between 2019 and 2020 were exhibited at the Maria Antonia University Center and at MAB-FAAP – Brazilian Art Museum, both in São Paulo.

In 2021, the work unfolded into a sound and visual intervention at the Mário de Andrade Library, in São Paulo. The phrase “CALA A BOCA JÁ MORREU!” was stamped on the facade’s windows. Speakers were installed in the outdoor garden echoing the phrases of those women spoken out by another hundred and one cis, trans and transvestite women who were invited for this recording. The recordings took place during the Covid-19 pandemic, which isolated us in our homes and shut the doors of cultural facilities such as the library.

Parallel to the intervention on the facade I carried out this compilation using the library’s collection, which at that time had a restricted access to the public. This work focused on feminist-themed books written by women, from which excerpts that address female silencing were taken. The theme was treated in a broad way thinking of “silence” as all forms of invisibility and historically imposed control on women, both in the social and private spheres. As the library’s collection is very extensive, a time frame was necessary covering books published between 2010 and 2020.

These excerpts are shown in this publication and it also brings a critical text by Galciani Neves, curator of my solo exhibition “It’s late, but we still have time”, in 2019, when this work began.

The initial list of books consisted of thirty-one titles, twenty-six of which contained material of interest to be collected. The books were read between May and July, and these readings gave me a dip in the history of feminism, the origin of patriarchate and the role of capitalism in the construction of the women we are, who in the 21st century still fight for the right not to be silenced.

This volume was donated to the library and can serve as an index on the topic to be consulted by visitors. But more than that, this publication is a compilation of whistleblowing about the various types of oppression that we women have been subjected to over the last few centuries. I hope that these excerpts may arise attention to various everyday discriminations that go unnoticed but if noticed could be the trigger for a delayed reflection, although always necessary on the possible paths to a break with the patriarchal structures that even today strive to maintain the silencing and erasure of women in the most diverse spheres of life.